Foi ver que era um sonho o que eu sonhava sem saber, e certa feita lamúrias transpassaram os portões do claustro a que havia me submetido. Sem saber se era noite ou se era dia, sabendo todavia que era um sonho, pois pássaros cantavam sem tom, a primavera era a imagem desgastada de um retrato num passado remoto.
E entre estranhas paisagens o mito se revelava impessoal, os fatos desviavam-se da verdade confundindo as mentes daqueles que tentavam entender o estranho fenômeno que passava feito cinema mudo pela frente de suas retinas. Ali, ao alcance da mão, mas ao mesmo tempo intocável.
A percepção incapaz de descrever o improvável foi lançando erros à margem do imponderável. Buzinas sucederam-se feito ritual mágico, como se um engarrafamento de milhares de carros produzisse uma sinfonia digna de Beethoven. Era tarde no pensamento, era obscuro na mente, era inigualável o sentimento. Eu só sabia que acordaria à medida que as luzes se tornassem mais fortes.
Os portões se abriram e eu fui ganhando espaço dentre os carros enfileirados, de diversas cores mas numa tela preto-e-branco. Era o passado que estava ali, numa tevê Colorado à válvula. Era de um tempo que não volta mais.
Poderia ter visto o rosto de pessoas que não existem mais. Não vi. Poderia ter refeito o caminho dos atalhos que perdi. Não fiz. O momento era único e o sonho estava acabando. Era a hora de ser.
O silêncio varou aquilo que revelou ser a madrugada, e a claridade que aportava nada era mais do que o fim do sonho. Trouxe-me de volta, para a escuridão do quarto. Para o mundo real, onde as coisas não são assim tão lógicas. Ciente do simbolismo que o sonho me trouxera, voltei a dormir.
O mundo, no lá-fora, de algum jeito também voltava a descansar.
terça-feira, 27 de outubro de 2009
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