quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Cotidianas

Conhecimento Sumário

Uma vez um professor na faculdade foi definitivo: “todo conhecimento sumário é perigoso”. Isso significa dizer, em outras palavras, que devemos procurar, na medida do possível, nos aprofundarmos naquilo que se coloca diante de nossos olhos. Tentar entender as coisas, por que elas são, e não simplesmente aceita-las tão comente como são.

Mas a dinâmica da vida moderna, cheia de pressa, parece não permitir mais isso. Lembro de uma tirinha do Calvin, de Bill Watterson, em que o pai do menino escrevia um texto dizendo que no mundo moderno as pessoas estão com pressa demais. Se antigamente um pedido levava semanas para ser atendido, hoje ninguém suporta mais do que algumas horas para ver sua demanda respondida (e olhe que estamos falando dos anos 80, 90...). No último quadrinho, no contexto das divagações do pai, Calvin se espantava com as especificações de um pacote de pipocas: “SEIS minutos no microondas?! Tudo isso?!”.

Pois é. Parece mesmo um absurdo esperarmos tanto tempo por algo tão simplório. Se nos anos 80 esperávamos uma tarde inteira para que uma música tocasse no rádio, hoje em poucos minutos podemos baixa-la da internet! Esperar que o filme chegue nos cinemas? Nada disso! Os espertos baixam o filme e as legendas, e assistem em primeira mão!

Nesse caso, o do cinema, ainda sou um romântico: espero chegar às telas!

Mas o conhecimento sumário (que é sempre perigoso, profetizara o professor, e com toda a razão), aliada à farta, generosa e veloz troca de informação pela internet – via orkut, messenger e outras ferramentas – também está produzindo uma perigosa tendência: a dos textos que proliferam por aí com autorias atribuídas a Luis Fernando Veríssimo, Mário Quintana, Arnaldo Jabor, Machado de Assis, Drummond, Fernando Sabino e outros.

Antigamente (no meu tempo, como dizem) não se fazia tanto isso, até mesmo porque ninguém repassava uma carta que recebeu pelo correio para cinqüenta pessoas de sua relação. Mas lembro perfeitamente da primeira vez que vi um texto sendo adulterado e atribuído a famoso escritor.

Nos convites de formatura, passou-se a transcrever um trecho do romance “O Encontro Marcado”, do escritor mineiro Fernando Sabino. Consta do final do primeiro capítulo, e é mesmo fantástico: “De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estaria sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da queda um passo de dança, do sono uma ponte, do medo uma escada, da procura um encontro”.

Tais convites passaram, de imediato, a mudar o tempo verbal, trazendo-o para a primeira pessoa, e ainda acrescentando um “portanto devemos” ao final da primeira frase. E lá colocavam a autoria: Fernando Sabino.

Logo, com o advento do e-mail e do orkut, principalmente, as pessoas, conhecedoras sumárias da literatura, passaram a postar o “excelente poema CERTEZA de Fernando PESSOA”, com alterações ainda mais infames. E houve ainda quem ousou questionar, afirmando que Fernando Sabino copiara o poeta português.

Vá ao google e digite, entre parênteses, o "de tudo, ficaram três coisas". Já no terceiro saite, um blog evidentemente, há a atribuição a Fernando Pessoa e a aberrante mudança do tempo verbal, com acréscimos!!

São 11.660 ocorrências encontradas para essa citação – algumas, vejo até que com algum alívio, corretamente atribuídas ao cronista e romancista mineiro.

Mas não param por Sabino os plágios e falsas atribuições de autoria. Certa vez tive que lidar com uma, em determinada comunidade do orkut! Era um texto afirmando que mulheres são iguais a maçãs em árvores: as melhores estão no topo. E a autoria, atribuída a ninguém menos do que Machado de Assis!!! Ousei discordar afirmando que jamais Machado escreveria um texto com português tão pobre e tão ruim...

Bueno: vieram discordâncias de diversos tipos. A uma que isso não importava. A outra, que o texto era bom, independente da autora. E mais uma, postada por quem havia colocado o texto, que era mãe e trabalhava, portanto não teve tempo de verificar a autoria. Ao final, pelo que parece, era uma tradução feita por Machado de Assis, como se tradução e autoria fosse a mesma coisa!

Como dizia o professor: todo conhecimento sumário é perigoso. Ainda vejo um texto exaltando os gaúchos e chamando o resto do país de veado, e atribuído ao Arnaldo Jabor! Um outro explicando a origem da expressão “pra caralho”, atribuída a Luis Fernando Veríssimo!!

Imagino que as pessoas que mandam, recebem e passam adiante tais textos não têm a menor noção de literatura, de estilo, de linguagem. Já me questionaram, ante o famoso texto “Quase”, atribuído a LFV mas na verdade de uma belíssima estudante de mediciona catarinense, com a seguinte frase: “COMO É QUE TU SABE? JÁ LEU TUDO DELE?”!!!

Dá vontade de dizer que já, que ele me manda os textos antes de publicá-lo em livros e jornais!

Ninguém questiona mais nada, ninguém procura entender nada, ninguém quer saber de nada: é por isso que Mac Donald’s vende tanto!

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Sobe ou Desce?

A coisa não é novidade. Uma vez li uma excelente crônica do (falando nele) igualmente excelente Fernando Sabino, sobre um aviso que ele viu ao lado do elevador. Em síntese, o saudoso escritor mineiro tergiversava sobre o referido aviso que alertava as pessoas que apertassem somente o botão cujo sentido desejassem tomar no elevador - com a fineza e sutileza própria do escritor. E isso realmente é verdade! Por que é que as pessoas insistem em apertar ambos os botões do elevador quando só desejam uma coisa ou outra: ou querem subir, ou querem descer. Tanto faz nem naquela piada do prédio errado!

São aquelas pequenas coisas que me irritam. Querendo descer num elevador que está subindo, ainda insistem em perguntar, ao abrir a porta: "Desce?". Não. É evidente que sobe, o elevador está subindo. Siga a seta! E se quer descer, não aperte para subir, pois o elevador parará inutilmente!! Ou o contrário, tanto faz: é uma ação que de qualquer modo não se deseja!

O mesmo acontece com os impacientes que ficam pressionando o botão, como se isso fosse acelerar o elevador. Os apressados! Aqueles que querem entrar sem antes esperar que os que estão dentro saiam!

E eu quero encontrar o gênio dos transportes que inventou essa história dos idosos ficarem na frente do ônibus. Temos que lhes dar a preferência para subir, questão de social cordialidade. E depois temos que nos apertar, encolher barrigas, trancar a respiração, para podermos passar dentre eles até chegar à roleta!!

Mas eu ainda vou entender o que faz uma pessoa, que quer descer num elevador, apertar o botão para subir! Ah, essa "esperteza" eu ainda vou desvendar!

4 comentários:

Karen disse...

"Dá vontade de dizer que já, que ele me manda os textos antes de publicá-lo em livros e jornais!"
Amei essa, falando nisso, no meu blog tem um texto que não tenho certeza se é dele, coloquei que desconhecia a autoria, dp te mando pra revisão, rsrsrsrsrs, muito bom!

Karen disse...

"Mas eu ainda vou entender o que faz uma pessoa, que quer descer num elevador, apertar o botão para subir!"
Eu tb Rodrigo, eu tb...

My Favorite Things disse...

Eu acabei de me lemrar de um texto apócrifo supostamente atribuído a Gabriel García Marquez, no qual ele dizia estar em estado terminal e era de uma breguiçe incomensurável. Sem falar de um do Jorge Luis Borges que dizia, entre outras pérolas "se eu fosse jovem comeria picolé, andaria de pés descalços, mas agora sou um velho". Irk! Valeu o alerta.

Karen disse...

Não sei pq lembrei da história das maças... hahahahahah

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