sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Cãntico, de Sérgio Napp

Essa fabulosa crônica de Sérgio Napp, extraída da coletânea "Prêmio Apesul de Literatura", promovido pelo Instituto Estatual do Livro/Secretaria da Cultura, Desporto e Turismo, em 1979, que divido com vocês hoje:

Quisera ser assim: livre.

E então te levaria, na palma da minha mão, nos rumos da estrela-guia, a conhecer magias e paisagens dos campos do bem querer. E o meu riso seria claro e límpido. E não haveria limites nem horizontes que nos guardassem. E te mostraria a rota de todas as estrelas e conheceríamos o percurso de todos os mares. E se acaso encontrássemos o final do arco-íris, não nos prenderia o ouro do pote - nossos olhos, sim, se renovariam em suas cores. E eu te cobriria de sonhos.

Quisera ser assim: decidido.

E eu te indicaria o caminho certo e não deixaria, em ti, dúvidas sobre o nosso destino. E em cada encruzilhada minha voz soaria clara e definid: essa é a direção, por aqui encontraremos uma clareira onde a grama é macia, as águas claras, a sombra amiga - faremos ali a nossa paz. E eu te revelaria para onde segue o vento do outono, o que acontece com o sol da meia noite, os mistérios que cercam o amanhecer. Eu saberia o tempo exato dos gestos, o momento preciso das palavras. E eu te cobriria de certezas.

Quisera ser assim: seguro.

Terias então, os meios para acalmar os temores e os receios que rondam tuas noites. Te ensinaria a olhar de frente e para dentro de ti e te faria descobrir o que há além do que nos cerca. E este conhecimento seria a armadura a nos proteger dos medos que nos assaltam quando as luzes todas parecem apagar-se e não se distingue nem um raio de madrugada. E os meus braços seriam o forte onde repousarias os teus cansaços. E a minha voz seria o som a te despertar para a vida. E eu te cobriria de mansidão.

Mas não sou assim - sou apenas tímido e fraco como todos os outros.

E é por isso que me encontras limitado pela minha insegurança, indeciso a tatear frases que me transfiram para ti.

É certo que muitas vezes te faço alegre com minha alegria e o meu beijo tem a mornura suficiente para te aquecer.

Mas não é tudo.

Há momentos - esses são os mais dolorosos - em que me procuras amargurada e eu me mostro também carente e amargo, sem condições de te dar a segurança e o apoio que necessitas.

E o que faço a não ser oferecer-te o meu ombro e chorar contigo?

Dizes ser o bastante.

Talvez para ti - não para mim, pois acho insuportável o teu sofrimento e, se pudesse, haveria somente riso em teus olhos, cantos em tua boca.

Me aceitas como sou, mas eu queria ser diverso e muito mais.

E esta impotência me dói e a impossibilidade de ser o porto seguro onde descansarias de tuas longas travessias me desarma.

Por isso me vês assim - um riso breve, um gesto frouxo, frases banais e, ao mesmo tempo, um desejo muito grande, intenso, sofrido de ternura e afeto. De busca e de entrega.

E eu me divido. Pois metade de mim anseia por voar, correr, gritar e a outra metade me conserva preso aos valores que me impuseram desde cedo. Valores cujos pesos e medidas não entendo. Dos quais, entretanto, não consigo me libertar.

Me agrides e me causas dor- mas sei que tua agressão é o fruto das pressões que também sofres e eu sou o estuário que encontras à mão - e me agrada o fato: sempre é uma maneira de te possuir.

Me querias forte, eu sei e não sou; me querias rochedo, couraça para tuas fraquezas e eu sou planície onde apenas podes descansá-las; me querias fortaleza e sou nada mais que abrigo onde consegues, às vezes, te aquecer quando necessário.

Sou o que sou: homem e limitado.

Me perdoa.

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