domingo, 27 de dezembro de 2009

A dor em três tempos (segunda parte)

2 - DERRADEIROS FINAIS
 
Antes que tudo mesmo acabasse, antes que o dia fosse derradeiramente noite, antes que as horas se fizessem tristes, era preciso mudar: o mundo, o dia, as horas. Ele. Ela. Mudarem os dois.
 
Pressentia o abandono ainda que não acontecera. Porque difícil imaginar a continuação de coisas que já julgava mortas, perecidas. Fins-de-semana juntos, viagens para a Serra ou rápidas visitas aos pais numa cidade não muito distante de onde os beijos se deixariam ficar, teatros, leituras de fim de noite. Tudo lhe parecia muito repetido, desgastado. Não exatamente para ele, mas o que ela pensaria dele. Não conseguira ser o homem tão diferente que tanto preconizara, não sobreviveram nele atitudes ditas adultas, maduras, que aquela madura e adulta mulher, arquiteta, independente, esbanjava nos dias.
 
Pois o encontro daquela noite estaria previamente decidido: que não te amo mais, quer dizer, que jamais te amei, quer dizer, amo-te desnecessariamente, ela implacável, deixando-o ir para sempre, para longe, dobrando todas as esquinas sempre à esquerda voltando para onde partiu.
 
Tudo passava a ser o último: o último banho, o último perfume, a última vez que pegaria o elevador pensando nela como presente, como atual, como acessível, musa para sempre atingível. A última vez que entraria no carro e precisaria ajustar banco e espelhos porque ela era quem teria usado o carro pela última vez. A última vez. A última vez.
 
Na última sinaleira antes de seu amor cruzar o sinal partindo derradeiro, repassou a vida num segundo: apresentações, olhares, beijos, camas, dias e tantas noites sem a até então habitual insônia que sempre o visitava. Inútil reprisar os momentos em que fora feliz. Sempre seria a hora de não ser.
 
Estacionou o carro em frente ao clube pela última vez (última). Ela saindo da aula de natação pela última. Ele sorrindo e a beijando – beijo frio, pela derradeira vez. A última dose de uísque no bar, a primeira dose de uma nova fase que se instalaria após o doloroso rompimento que ele mesmo anunciava. O último coquetel que ela tomaria. Os decisivos sorrisos, conversas finais, beijos que sempre ficam para o fim.
 
Depois, caminharam pelo estacionamento de mãos dadas, olhares para baixo, “Estou com meu carro”, ela diz, “Estou com o meu também”, ele ri, ambos riem, ninguém mais percebe, sozinhos que estão. Se abraçam. Ela entra no carro, ele entra no carro.
 
Ambos partem pela última ou primeira vez.
 
(continua)

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